segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Inevitável

Atrasado estava para um compromisso que mal sabia.
Mas queria agradar aquela moça que conhecera em outrora. Morena de uma imaculada pele suave e olhos castanhos. Um tipo de beleza indiana, mas com feições européias. Clássica. Havia uma pinta acima de seu olho direito, que a tornava ainda mais deslumbrante.
- Anda! Não quero chegar atrasada. Apressou-se.
Estávamos numa rua quase deserta, era dia. Árvores em canteiros contornavam o lugar harmonioso e calmo. Deparados por uma mansão de três andares e jardim com pequenas árvores e flores que abriam caminho para uma porta principal.
- Aguarde aqui. Não vou demorar.
Afirmei com a cabeça e aguardei do lado de fora, à frente de um portão branco enorme.
O relacionamento entre a agente e o escritor que a aguardava, era neutro. Não demonstravam alguma cordialidade intensa. Não o entendia muito bem, mas sentia o mesmo que sentira há alguns anos atrás quando se conheceram na faculdade. Em alguns minutos, oito ou mais pessoas amontoaram a porta da mansão. Atento com os olhos firmes para ver o que tinha dentro daquela mansão. Quando a porta abriu...
- Neves! É você mesmo?
Reconhecendo a voz, vira-se meio desapontado por não conseguir ver o que queria. Um velho amigo que não via há muito tempo, acompanhado de uma moça exótica. Com uma tatuagem bem marcante em seu braço esquerdo, óculos retangulares e um sorriso estampado. Aparentava ser publicitária ou uma estilista de moda. O velho amigo usava roupas longas, um sobretudo cinza espetacular, mas que não cabia com a incineração de um sol impiedoso.
- Que desapontamento é esse rapaz?
- Não...Não, imagina. Você me pegou distraído, enquanto olhava para aquela mansão; disse Neves com um sorriso meia cara.
- Espero não ter atrapalhado. Mas quando vi esse cabelo desarrumado, esta blusa meio amarrotada dobrada até o cotovelo. Não poderia ser outra pessoa. Inconfundível.
- Ah! Deixe-me apresentá-la. Está é minha noiva, Jamylle. Design de moda da “Grinnfer”,
- Oi, prazer! Cris falou bastante de você. Estudaram juntos no mesmo colegial, não é mesmo?
- Si...
- Cara, como é bom te rever. Como está a sua vida, você se formou em quê? Vai casar? Tem filhos? ; - apressou-se Cristofer com ânimo.
- Calma! Minha vida como você pode ver, não está a das melhores; - Gesticulou mostrando o estado de sua roupa amarrotada.
- Mas estou bastante feliz. Sou escritor e professor de linguagem jurídica de uma faculdade.
-Enquanto casado. – Balançou a cabeça de modo negativo. E filhos muito menos; - sorriu. Mas e você, conte-me?
- Cara, estou com uns rolos aí. Trabalhando a serviço de uns. Às vezes tenho que sair do país, negociar...
Não convencendo Neves de suas afirmações: - É... Deve estar ganhando uma corpulenta dinheirama.
- É meu caro. Tenho quase tudo o que um homem poderia querer; - balançando o braço esquerdo deixando a mostra seu suntuoso relógio de prata.
- Como pode ver Sr. Neves, estou um pouco atrasado. Mas como você está bonito e jovem meu amigo. – sorrindo e batendo com as duas mãos no seu rosto.
- Também é um prazer revê-lo meu caro Cristofer.
- E a Sra. Jamylle, encantado. – inclinou-se e beijou levemente sua delicada mão.
Neves era um homem um tanto romântico, perdido em suas paixões. Mas naquele momento só havia olhos para uma pessoa. Mayara.
- Demorei? – sorriu deixando seu esplendor tomar conta do coração do escritor.
- Não... Encontrei um velho amigo de infância.
- Que bom, Assim pôde distrair enquanto esperava. Fiquei um tanto preocupada por deixar você me esperando. – desanimou sua face.
- Mas, como foi lá? Se saiu bem? – sorriu Neves tentando reanimá-la.
- Depois conversamos sobre isso. – levantando a cabeça e mostrando afeto.
Fazia sete anos que não se viam. Apenas se comunicavam por cartas e e-mails. Não demonstravam nenhum relacionamento aparente. Mas sentiam algo por estar perto um do outro. Os olhares cruzados, os esbarrões dos corpos enquanto caminhavam.
- Então é aqui que você mora?
- É, foi o que consegui arrumar no início da minha carreira. Depois não tive coragem de deixar.
- Bem aconchegante. Sorriu tirando sua arma da cintura. Deixando mostrar suas lindas costas por uns instantes.
- É...é...vo...você n...não quer tomar um banho? – disse trêmulo.
- Algum gato comeu sua língua? – rindo da sua ingenuidade.
- Sim, sim. Quero. Estava um calorão lá fora.
- Já vou providenciar uma toalha, minha hóspede. – sorriu.
- Só tem um problema. Está emperrando quando fecha.
- Não tem problema, estou acostumada a tomar banho de porta aberta.
Neves suava frio. Não acreditava que a mulher de seus sonhos estava ali, apenas a alguns metros de distância. Inquieto, fingia pegar algo na geladeira para ver suas lindas curvas. Aquele sabão que tomava o seu corpo enquanto enxaguava o cabelo. Quando caiu em si, resolveu deitar-se na cama e fechar os olhos para que aquela vontade de abraça-la, beija-la acabasse logo. Afinal faziam sete anos, e apenas trocavam cartas e declarações. Ela poderia muito bem estar namorando ou ter planos com alguém. Para sua infelicidade, mas assim sendo sua felicidade tornava-o feliz também.
Até que ela chaga após o banho em sua direção. Cabelos molhados e uma camiseta branca regata. Sem dizer uma palavra. Subiu em sua cama, tirou o lençol para que pudesse deitar, e engatinhando chegou até seus olhos. Ali o tempo parou.
- Saudade.
- Também. – ela respondeu com um ar sensual.
Um beijo envolvente e dedicado fez a trajetória dos séculos. Tudo parou. Um novo mundo foi recriado. Naquele final de tarde duas almas se tornaram uma.

Um relógio incessante, perdurava distante em seu sonho.
- “ Pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi pi...” Seis horas.
Acordou palpitante e, arrancou-lhe a tomada num instante. Não queria acordar aquela princesa e bela, adormecida. Mexeu-se levemente, apenas para se ajeitar.
Admirado com tal beleza irradiante, sorriu e levantou-se sem fazer barulho. Pegou as chaves e foi ao mercadinho da esquina.
Retornando com o café da manhã em mãos, passou em frente uma casa de uma senhora que cultivava flores da índia. Parou, observou se não havia ninguém por perto e, pulou o pequeno muro, arrancou-lhe uma flor até que então...Um cachorrinho daqueles bem barulhentos começou a latir e a correr em sua direção. Saltou o muro apenas com uma das mãos apoiada, sem deixar chances ao catatau.
Ofegante e lépido ao mesmo tempo, abriu vagarosamente a porta. A flor do dia acabara de desabrochar, e em uma envolvente alegria saldou como se fazia a um rei ou rainha. Reverenciando-a:
- Bom dia!
E citou uma redondilha que lhe veio a mente.

...” Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos para os olhos,
Duros para a vida;
Mas as rês perdia
Que tal erva pasce
Em forte hora nasce.”

- Luís de Camões, quem ora soubesse onde o amor nasce. Que o semeasse.
Deu-lhe a flor e a beijou.
- Bom dia! Respondeu-lhe lânguida com um sorriso inevitável.



Renan Castro.

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